Autor(es): Fausto Macedo, |
O Estado de S. Paulo - 11/01/2012 |
Após ataques de ministro do Supremo, corregedora nacional da Justiça afirma que não irá esmorecer
na investigação do Judiciário
SÃO PAULO - Alvo de 9 entre 10 juízes, e também do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que não aceitam seu estilo e determinação, a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional da Justiça, manda um recado àqueles
que querem
barrar seu caminho. "Eles
não vão conseguir me desmoralizar, isso não vão conseguir."
Calmon avisa que não vai recuar. "Eu estou vendo
a serpente
nascer, não posso me calar."
Na noite desta segunda feira, 9, o ministro do STF disparou a mais pesada artilharia contra a corregedora desde
que ela deu início à sua escalada por uma toga transparente, sem regalias.
No programa Roda Viva, da TV
Cultura, Marco Aurélio partiu para o tudo ou nada ao falar sobre os poderes
dela no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). "Ela tem autonomia? Quem sabe ela venha a substituir até o Supremo."
Ao Estado, a ministra disse que seus críticos querem
ocultar mazelas do Judiciário.
Estado: A sra. vai esmorecer?
MINISTRA ELIANA CALMON:
Absolutamente, pelo contrário. Eu me sinto renovada para dar continuidade a essa caminhada, não só como magistrada,
inclusive como cidadã. Eu já fui tudo o que eu
tinha de ser no Poder Judiciário, cheguei ao topo da minha carreira. Eu tenho 67 anos e restam 3 anos para me aposentar.
ESTADO: Os ataques a incomodam?
ELIANA CALMON: Perceba que eles
atacam e depois fazem ressalvas. Eu preciso fazer alguma coisa porque estou vendo
a serpente
nascer e eu
não posso me calar. É a última coisa
que estou fazendo
pela carreira, pelo Judiciário. Vou continuar.
ESTADO: O que seus críticos pretendem?
ELIANA CALMON: Eu já percebi que eles
não vão conseguir me desmoralizar. É uma discussão salutar, uma
discussão boa. Nunca vi uma mobilização nacional desse
porte, nem quando se discutiu a reforma do Judiciário. É um momento muito significativo. Não desanimarei, podem ficar seguros disso.
ESTADO: O ministro Marco Aurélio deu liminar em mandado de segurança e travou suas investigações. Na TV ele
foi duro com a sra.
ELIANA CALMON: Ele
continua muito sem focar nas coisas,
tudo sem equidistância. Na realidade é uma visão política e ele
não tem motivos para fazer o que está fazendo. Então, vem com uma série de
sofismas. Espero esclarecer
bem nas informações ao mandado de segurança. Basta ler essas informações. A imprensa terá acesso a essas informações, a alguns documentos que vou juntar, e dessa forma as coisas ficarão bem esclarecidas.
ESTADO: O ministro afirma que a sra. violou preceitos constitucionais ao afastar o sigilo
de 206 mil investigados de uma só vez e
comparou-a a um xerife.
ELIANA CALMON: Ficou muito feio, é até descer um pouco o nível. Não é possível que uma pessoa diga que eu
violei a Constituição. Então eu não posso fazer nada. Não adianta papel, não adianta ler, não adianta documentos. Não adianta nada, essa é a visão dele.
Até pensei em procura-lo, eu me dou bem com ele,
mas acho que é um problema ideológico. Ou seja, ele
não aceita abrir o Judiciário.
ESTADO: O que há por trás da polêmica sobre sua atuação?
ELIANA CALMON: Todo mundo vê a serpente
nascendo pela transparência do ovo, mas ninguém acredita que uma serpente
está nascendo. Os tempos mudaram e eles
não se aperceberam, não querem
aceitar. Mas é um momento que eu
tenho que ter cuidado para não causar certo apressamento do Supremo, deixar que ele
(STF) decida sem dizer, "ah, mas ela fez isso e aquilo outro, ela é falastrona, é midiática". Então eu estou quieta. As coisas estão muito claras.
ESTADO: A sra. quebrou o sigilo de 206 mil magistrados e servidores?
ELIANA CALMON: Nunca houve isso, nunca houve essa história. Absolutamente
impossível eu pedir uma quebra de sigilo de 206 mil pessoas. Ninguém pode achar na sua sã consciência que isso fosse possível. É até uma insanidade dizer isso. O Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf) age com absoluta discrição, como se fosse uma bússola. Aponta transações atípica. Nunca ninguém me informou nomes, nada. Jamais poderia fazer uma quebra atingindo universo tão grande. Mas eu tenho anotações de alguns nomes, algumas suspeitas. Então, quando você chega num tribunal, principalmente
como o de São Paulo, naturalmente
que a gente
já tem algumas referências, mas é uma amostragem. Não houve nenhuma devassa, essa é a realidade.
ESTADO: A sra. não tinha que submeter
ao colegiado o rastreamento de dados?
ELIANA CALMON: O regimento interno do CNJ é claro. Não precisa passar pelo colegiado, realmente. E
ele (ministro Marco Aurélio) deu a liminar (ao mandado de segurança)e não passou pelo Pleno do STF. E depois que eu
fornecer as informações ao mandado de segurança e depois que eu
der resposta à representação criminal ficarei mais faladora. Estou muito calada porque acho que essas informações precisam ser feitas primeiro. Eu não vou deixar nada sem os esclarecimentos necessários.
ESTADO: Duas liminares, dos ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, ameaçam o CNJ. A sra. acredita que elas poderão ser derrubadas pelo Pleno do STF?
ELIANA CALMON: Esperança eu tenho. Agora, tradicionalmente
o STF nunca deixou o seu presidente
sem apoio, nunca. Todas as vezes
eles correram e conseguiram dar sustentação ao presidente. Qual é a minha esperança: eu acho que o Supremo não é mais o mesmo e a sociedade e
os meios de comunicação também não são mais os mesmos. Não posso pegar exemplos do passado para dizer que não acredito em uma decisão favorável. Estamos vivendo
um outro momento. Não me enche de
esperanças, mas dá esperanças para que veja um fato novo, não como algo que já está concretizado. Tudo pode acontecer
ESTADO: O ministro Marco Aurélio diz que a competência das Corregedorias dos tribunais estaduais não pode ser sobrepujada pelo CNJ.
ELIANA CALMON: Tive vontade de
ligar, mandar um torpedo (para o programa Roda Viva) para dizer que as corregedorias sequer investigam desembargador. Quem é que investiga desembargador? O próprio desembargador. Aí é que vem a grande dificuldade. O grande problema não são os juízes de primeiro grau, são os Tribunais de Justiça. Os membros dos TJs não são investigados pelas corregedorias. As corregedorias só tem competência para investigar juízes de primeiro grau. Nada nos proíbe de
investigar. Como juíza de carreira eu sei das dificuldades, principalmente
quando se trata de um desembargador que tem ascendência política, prestígio, um certo domínio sobre os outros.
ESTADO: A crise jogou luz sobre pagamentos milionários a magistrados.
ELIANA CALMON: Essas informações já vinham vazando aqui e acolá. Servidores que estavam muito descontentes falavam disso, que isso existia. Os próprios juízes falavam que existia. Todo mundo falava que era uma desordem, que São Paulo é isso e aquilo. Quando eu fui investigar eu não fui fazer devassa. São Paulo é muito grande, nunca foi investigado. Não se pode, num Estado com a magnitude de
São Paulo, admitir um tribunal onde não
existe sequer controle interno. O controle interno foi inaugurado no TJ de São Paulo em fevereiro de 2010. São Paulo não tem informática decente. O tribunal tem uma gerência péssima, sob o ponto de vista de gestão. Como um tribunal do de São Paulo, que administra mais de R$ 20 bilhões por ano, não tinha controle interno?
ESTADO: Qual a sua estratégia?
ELIANA CALMON: Primeiro identificar a fonte pagadora em razão dessas denúncias e chegar a um norte. São Paulo não tem informática decente. Vamos ver pagamentos absurdos e se
isso está no Imposto de renda. A declaração IR até o presidente
da República faz, vai para os arquivos
da Receita. Não quebrei sigilo bancário de ninguém. Não pedi devassa fiscal de ninguém. Fui olhar pagamentos realizados pelo tribunal e cotejar com as declarações de imposto de renda. Coisa que fiz no Tribunal Regional do Trabalho de Campinas e no tribunal militar de São Paulo, sem problema nenhum. Senti demais quando se aposentou o desembargador Maurício Vidigal, que era o corregedor
do Tribunal de Justiça de São Paulo. Um magistrado parceiro, homem sério, que resolvia as coisas de forma tranquila.
Fonte: http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/1/11/estou-vendo-a-serpente-nascer-nao-posso-calar-diz-eliana-calmon |
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terça-feira, 31 de janeiro de 2012
'Estou vendo a serpente nascer, não posso calar', diz Eliana Calmon
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