LUIZ FLÁVIO GOMES*
Pesquisa da Fundação GetúlioVargas de São Paulo constatou o seguinte: duas em cada três pessoas consideram o Judiciário pouco ou nada honesto e sem independência; 55% questionam a sua competência; 89% consideram o Judiciário moroso; 88% acham seus custos elevados; 70% o acham de acesso difícil. A percepção da população sobre o Judiciário só piorou nos últimos três anos. Seu índice em 2009 era de 6,5; na pesquisa do quarto trimestre de 2011 caiu para 5,3% (na escala de 0 a 10). A credibilidade do Judiciário está em xeque (Valor Econômico de 07.02.12, p. A7).
Depois que a Ministra Eliana Calmon (Corregedora do
Conselho Nacional de Justiça) reivindicou para o CNJ um amplo poder de punir os
juízes (porque alguns seriam “bandidos” atrás da toga) eclodiu a maior crise do
Poder Judiciário brasileiro.
O STF, por seis votos contra cinco, de forma muito
acertada, confirmou que o CNJ pode iniciar investigações contra os juízes do
país independentemente da existência de processo nas corregedorias dos tribunais
estaduais ou federais. Isso foi um golpe forte contra o corporativismo reinante
nos tribunais, que faziam “manobras corporativas” para evitar punição contra
magistrados (O Estado de S. Paulo de 09.02.12, p. A10).
O CNJ também tem poderes para regulamentar os
procedimentos que os tribunais devem adotar para processar os juízes. Todos os
julgamentos dos juízes devem ser públicos. Essa era uma outra prática nada
republicana. A falta de transparência era absoluta.
É sumamente salutar para a República brasileira e para
a construção da moralidade na nossa polis a
existência de um órgão fiscalizatório do Judiciário. Fui um dos primeiros no
Brasil a escrever um livro sobre o tema, em 1997.
Os desmandos e malandragens morais praticados por
alguns juízes, em detrimento do resto honrado da carreira (pagamentos de verbas
integrais sem justificativa suficiente, nepotismo, manobras corporativas na hora
da punição contra um juiz etc.), são frequentes (e praticamente todos ficavam
impunes).
Um detalhe fundamental: a legitimação dos juízes não
reside no consenso nem na representação popular. A função jurisdicional se
legitima (a) quando o juiz busca a verdade dos fatos de forma imparcial e
independente e (b) quando o juiz se posiciona como garante dos direitos e das
liberdades das pessoas. E o que o juiz deve buscar com sua função não é o
consenso da maioria, sim, a confiança, ainda que julgando contra a maioria (em
muitos casos).
A confiança do brasileiro no Judiciário está baixa e,
pior, está caindo. Nossa jovem e instável democracia, que se define como um
projeto de civilização igualitária, para amadurecer, necessita reformular sua
vulgaridade e construir bases morais e costumes típicos da convivência cidadã.
Seguindo em linhas gerais o filósofo Gomá Lanzón (Ejemplaridad publica),
cabe sublinhar que nossa polis
carece de um corpo unitário e sólido de crenças coletivas que orientem a
socialização da cidadania. O homo democraticus
precisa aceitar sua autolimitação para se ver livre da sua espontaneidade e dos
seus instintos (sobretudo corporativistas) pouco urbanizados.
Já não podemos eleger a barbárie corporativa,
verdadeiras malandragens morais, em detrimento da civilização exemplar. Só nos
cabe optar pela civilidade no lugar da anarquia e da anomia. Aliás, no âmbito da
moralidade, como bem enfatiza Gomá Lanzón, “é no exemplo pessoal e não no
discurso onde a regra prepondera sobre a intuição” (...) o “eu”, surpreendido na
mediocridade (e vulgaridade), só resta explicar-se e reformar-se”. O CNJ está
mais forte. Cabe dar exemplaridade para todos nós, que queremos construir uma
polis
(um país) urbanizada e civilizada.
*
LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG.
Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi
Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado
(1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.
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GOMES, Luiz Flávio. Judiciário: pouco honesto e não independente.
Clubjus, Brasília-DF: 17 fev. 2012. Disponível em:
<http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.36290>. Acesso em: 25 mar.
2012.
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