Autor: João-Francisco
Rogowski
Jurista, Advogado, Pesquisador e Escritor.
Sou
fã do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, que a meu ver está
fazendo um bom trabalho, e não me refiro unicamente às ações correcionais, mas
também em outros aspectos importantes como a padronização de sistemas de
informática para os tribunais para que todos os TJ “falem a mesma língua” em
termos de informatização, etc. e tal.
Hoje, porém, fiquei decepcionado ao ler a seguinte notícia:
CNJ proíbe terceirização da
Justiça brasileira
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu ontem (08) em sessão
ordinária, por maioria de votos, proibir parceria público-privada no âmbito do
Poder Judiciário.
Os conselheiros do CNJ acompanharam o voto do ministro Carlos Ayres
Britto, que presidiu a sessão na tarde de hoje, contrário à parceria
público-privada por entender que ela significa prenúncio de terceirização da
Justiça.
Nove conselheiros votaram pela proibição de parceria público-privada no
Judiciário, enquanto seis aguardam o voto vista do conselheiro Tourinho Neto,
ex-presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região.
O Conselho Federal da OAB se posicionou na sessão contra esse sistema de
parceria, alertando para o risco de quebra de independência do Poder Judiciário.
Por designação do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, que tem assento
no Conselho com direito a voz, representou a entidade na parte vespertina da
sessão o secretário-geral Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
O que conheço das ditas
parcerias público-privada é o que ocorre, por exemplo, no Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais que iniciou uma parceria público-privada com Tribunais
Arbitrais daquele Estado compartilhando a jurisdição. Em Taubaté/SP, a Justiça
Federal firmou convênio com um Tribunal Arbitral de lá autorizando, inclusive,
os Juízes Arbitrais a liberarem fundos das contas do FGTS de
trabalhadores.
Reconheço que o tema é tormentoso, e, embora digna de encômios as
preocupações e zelo do CNJ em relação ao assunto, penso que a essa decisão,
proferida por escassa maioria, foi equivocada, data vênia, e será
revista pelo Supremo Tribunal Federal.
O
cerne do fundamento da decisão do CNJ consiste em que as parcerias
público-privada significam terceirização da Justiça.
Essa singela frase comporta uma análise profunda que consumiria várias laudas. O
desafio que se me apresenta é tentar resumir a questão num singelo texto de duas
laudas como este, por isso, deixo para outra oportunidade a análise da
investidura do poder jurisdicional estatal do juiz arbitral a partir da
celebração do compromisso arbitral ou da prolação da sentença
arbitral.
Começo dizendo que a Lei Federal n.º 9.307, de 23 de Setembro de 1996 que
instituiu a Justiça Arbitral no Brasil constitui um divisor de águas nessa
matéria.
A
Constituição é bem clara quando diz que todo poder emana do povo. A sociedade
civil entendeu por bem delegar ao Estado o monopólio da jurisdição, todavia,
percebo uma distinção entre o monopólio estatal da jurisdição e o monopólio da
jurisdição pelos juízes estatais. Mal comparando seria situação análoga a dos
serviços notariais em que o Estado é detentor do monopólio desses serviços, mas
cuja execução incumbe a particulares.
A
Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1.994 regulamentou o artigo 236 da
Constituição, dispondo sobre os serviços notariais e de registro, desatrelando
as serventias do poder público em termos estruturais e organizacionais, com
total liberdade no gerenciamento financeiro e administrativo dos seus serviços,
entretanto, no artigo 37 a lei reservou ao Estado a fiscalização dos atos
notariais e de registro.
A
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados
aprovou o Projeto
de Lei 5243/09, que possibilita a realização da arbitragem pelos titulares
de delegação do poder público - caso dos notários e dos tabeliães. Aprovado em
caráter conclusivo, o projeto seguirá para o Senado.
Temos que ter sempre em mente que o Estado existe para o cidadão e não o
cidadão para o Estado. A destinação final do Estado e dos serviços por ele
prestado é a cidadania e o bem comum.
É
pressuposto lógico que nessas parcerias público-privada firmados pelos
Tribunais, os parceiros privados foram eleitos dentre Câmaras e Tribunais
Arbitrais idôneos, acima de qualquer suspeita, com capacitação técnica de
excelência, portanto, não haveria qualquer prejuízo aos jurisdicionados, ao
contrário, haveria com toda certeza ganhos em termos de celeridade e também de
qualidade na prestação jurisdicional, pois, com um número menor de processos
para julgar, os Juízes Arbitrais certamente estudariam as causas mais a fundo,
portanto, tais parcerias público-privada são de interesse público e atendem ao
bem comum.
Já
estão dizendo por aí que a decisão do CNJ é demagógica e hipócrita, uma vã
tentativa de negar o obvio ululante, a falência total da justiça brasileira. Eu,
porém, estou convicto das boas intenções que nortearam a decisão, mas entendo-a
politicamente e juridicamente equivocada.
Penso que urge um novo modelo de sistema judicial que consiga conciliar
celeridade com qualidade na prestação jurisdicional.
Vejo na Justiça Arbitral uma grande solução, 180 dias no máximo para
julgar um processo.
Criticando o modelo judicial atual, em 2009 escrevi:
“
A toda evidência, esse modelo elitista de
acesso à justiça já se esgotou. Num país como o Brasil com peculiaridades e
diversidades onde predominam problemas sociais graves e longe de obter solução,
onde a injusta distribuição da renda e o déficit educacional são marcantes,
temos que desenvolver um sistema universal de acesso à justiça aos cidadãos,
incluindo meios alternativos de solução dos conflitos, devendo o sistema ser
custeado pelos mais ricos, dentro da perspectiva de uma “sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social” conforme estampado no
preâmbulo da Magna Carta Brasileira e em consonância com a máxima, lúcida e
salutar, que adverte as elites acomodadas e omissas: vão-se os anéis e fiquem
os dedos!”http://www.canaleletronico.net/index.php?view=article&id=352
Prestação jurisdicional rápida como exige um país em desenvolvimento e
com as dimensões do Brasil, reclama um novo mecanismo, ágil e
eficiente.
Veja-se o enorme prejuízo econômico que o modelo atual vem causando:
segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, a taxa de crescimento do PIB poderia
ser 25% maior, se o judiciário tivesse melhor desempenho. A justiça brasileira é
paquidérmica e cara.
Sabíamos que o Poder Judiciário causava prejuízo à economia brasileira,
e, por conseguinte ao povo deste país, só não tínhamos, ainda, a medida. Isto
sem falar nos demais estragos em nível social e individual.
Há
trinta anos defendo a solução dos litígios por meios alternativos. Em 22/08/1988
o Jornal do Comercio de Porto Alegre, publicou matéria contendo minhas
propostas.
Em 1990 fundei um “Tribunal
Arbitral de Bairro”, tendo o Jornal do Brasil, edição de 28/10/1990, publicado
reportagem com a manchete "GAÚCHO GANHA PRIMEIRO TRIBUNAL DE BAIRRO DO
PAÍS".
(Faço
um pequeno parêntese para comentar que a expressão “Juiz Arbitral” é amplamente
aceita pela corrente doutrinária publicista, já que a lei define o árbitro
como Juiz de Fato e de Direito, porém, a corrente doutrinária
privatista prefere unicamente a expressão “árbitro”. Contudo, o Tribunal
Regional Federal da 1ª Região já resolveu essa questão ao introduzir no mundo
jurídico a expressão “JUIZ ARBITRAL”, reconhecendo, inclusive, a profissão de
Juiz Arbitral e autorizando a criação do SINDICATO NACIONAL DOS JUÍZES ARBITRAIS
DO BRASIL [SINDJA]. A decisão transitou em julgado em
04/06/2009).
Assim como centenas de Magistrados e
Juristas em geral, eu entendo que as parcerias público-privada não implicam em
terceirização da jurisdição e sim em dar efetividade à Lei 9.307/96 incorporando
a arbitragem à prestação jurisdicional.
A
natureza jurisdicional na arbitragem está mais ou menos pacificada
hodiernamente, "A arbitragem tem um caráter misto, jurisdicional e contratual, e há
tempos deixou de ser essencial o debate entre os que defendiam o caráter não
jurisdicional e sim apenas contratual da mesma e aqueles que já admitiam conter
a arbitragem elementos da jurisdição. (...) O conceito clássico de jurisdição,
de Chiovenda, no sentido da função judicial estatal monopolística, substitutiva
da vontade das partes e da atuação da lei no caso concreto evoluiu, e esse
debate acadêmico não encontra, a nosso ver, hoje maior repercussão ou interesse.
(...) O juízo arbitral, além disso, embora construído e instaurado com base no
contrato subordina-se às normas acordadas entre as partes, inclusive quanto ao
procedimento e a normas de alguma instituição que administre a arbitragem, mas
também, de acordo com a lei, a regras básicas do processo
civil. (...).”
(GARCEZ, José Maria Rossani. Negociação, ADRS. Mediação. Conciliação
e Arbitragem, 2ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003).
Concluo lembrando que a Justiça Arbitral é milenar e respeitada mundo a
fora, um bom exemplo disso é o Tribunal das Águas de Valência, na Espanha, com
1.200 anos de existência.
Com
todo respeito à decisão do egrégio Conselho Nacional de Justiça - CNJ, as
parcerias público-privada entre o Estado e as Câmaras e Tribunais arbitrais
vieram para ficar, sendo a solução mais adequada em curto prazo para minimizar a
crise da justiça, marcada pela excessiva morosidade, ineficiência, elevado custo
para o país.
http://digital.canaleletronico.net/publicacoes/CNJ_parceria_%20publico-privada.html